Wednesday, August 20, 2025

Livros

 Com quem falarei hoje

sem nenhum livro para ler?

É com os livros que falo

tenho muito para dizer

e há tanto tempo que calo...

Com quem falaria hoje

se fosse um dia qualquer?

Um dos fiéis mais antigo,

 ou um recente, mandado por um amigo?

só leio escrita escorreita

palavras nuas, directas

sem servir espaços vazios

que o poeta quer encher...

Enche os espaços vazios

são os que tem na cabeça

de frases soltas perdidas

ouvidas aqui e além

e ele não consegue juntar

a mão não ajuda aqui

e a cabeça ainda menos

é uma cabeça careca

de boneco de brincar

o meu castigo é enorme

de não ter com quem falar

Friday, August 08, 2025

 A PAZ de GAZA

- Minha mãe, não vais ao pão?

- Por ti iria a correr mas se morro no caminho

quem to dará a comer?

- Algum soldado da Paz me dará o pão com sangue

antes de te ver morrer...

- E se o soldado é da Guerra e fica para o comer?

- O sangue tem morte dentro, a tua, com o teu sangue,

que eu um dia vingarei...

 

8 de Agosto, 2025

Tuesday, August 05, 2025

O Coveiro

 O COVEIRO

Não é velho

como se julgaria

é um jovem escanzelado

preso numa terra funda

como se já enterrado.

 Mas vive ainda

tem uma pá na mão

e escava

escava

o que sabe ser

a sua cova futura

de antemão antecipada

enquanto se aguenta de pé

cumpre a missão que lhe deram:

 escava, enquanto fizeres assim

não mataremos o irmão

que vamos incinerar

negando as ordens do deus

que  seja deitado em terra,

 ou nunca chegara ao céu

que o mantinha esperançado.

E ele então já exausto, dão-lhe água suja

 a beber, escava e escava de novo

olha a cova já aberta

tem a forma do meu corpo, diz,

filmem bem o que nos fazem

deus os castigará

esta cova é a do mundo

viverão filhos e netos

neste paraíso imundo

5 de Agosto, 2025

 

Sunday, July 27, 2025

 O que se vê:

A alma depois da morte

paira por um tempo e fica a ver.

Os filhos que lhe trariam nesse momento

num último chamamento?

Da sua pequena infância

 ou mesmo da juventude buscando

outros caminhos?

Não sabemos dizer, a alma paira

mas já não comunica, o corpo ainda está ali

mas perdeu o que era a sua força viva

que só a alma animava. E a alma ainda pairava

mas nada podia fazer.

27 de Julho, 2025

Saturday, July 26, 2025

Diálogos Sensíveis, pinturas de Pedro Chorão

 

Todo o título, seja de um poema seja de uma pintura é uma indicação de possível leitura, que assim é dada a quem contempla ou quem lê. Pode não ser indicação, pode ser armadilha em que se cai. De todo o modo alguma coisa acontece que apenas assim se descobre.

Tenho na mão o catálogo do mais recente ciclo de pinturas de Pedro Chorão, exposto na Sá da Costa, que pela referência que deixa  - diálogos sensíveis - nos faz pensar: não eram sensíveis os quadros anteriores, explosões de azuis entre o mar e o céu, na Galeria Monumental?

O pintor, na anterior como nesta mais actual produção, que renova as linguagens, diz o que sente, e vem dito nas respostas da entrevista que podemos ler no interior do catálogo: não há arte onde não haja sensibilidade, genuína. O sensível, mesmo quando não explicitamente referido, é a matéria mesma da obra.

As cores escolhidas em cada pincelada também têm o seu segredo guardado. Aqui a pincelada é espessa, é forte, pede que nos demoremos no contorno escolhido para cada côr.

Não há repetição, há olhar paciente, que renova,  e confere a cada quadro uma nova originalidade que contudo não dilui a grande coerência que é marca de Pedro Chorão. Podemos transitar de um ciclo para outro, dos princípios das Paisagens ou das Ventanias, até chegar a estes diálogos Sensíveis e logo reconhecemos a sua mão, que encerra em cada caso uma nova noção do que se está a fazer, oferecendo ao outro, a quem contempla, pensamento que ali se abre, e com ele mais conhecimento e acima de tudo emoção.

Assim como um poeta tenta explicar, a quem lhe pergunta, o que é um poema, tomo a liberdade de citar um amigo, Sérgio Ninguém:

Tentar perceber um poema

é como olhar para um deserto sem bússola.

Um poema é uma pedra duríssima

 que ninguém explica (atrofia perene, p.25) 

não se pergunte a um pintor o que é uma pintura. Ou como pinta, que ele olhará com espanto aquele que não fez o esforço de primeiro procurar entender, mesmo que não entenda nunca,  pois nenhuma explicação ajudará.

Neste caso, de Pedro Chorão, cada pintura é uma procura nova, de algo indizível, nascido do silêncio da alma e que só depois da última pincelada (seria do último verso) se poderá (ou não) explicar. Ele precisa, tal como o outro que o interroga, da mesma interrogação, seja deserto ou pedra, mas em que descubra a matéria sensível que se deixe moldar, como ele devagarinho ou com fúria mal contida irá fazer. Nisso consiste o trabalho de um criador: moldar, em diálogo sensível, a sua matéria que é vida e vida revivida, quantas vezes, sempre que o momento exige. 



 

Wednesday, July 23, 2025

AURORA

 


AURORA

Tão negra a noite caía

que todas as sombras fugiam

a esconder-se na Aurora,

deusa que Homero cantava

nos seus versos de ouro fino

uma luz que demorava

até a Deusa acordar

e romper um novo dia

(para a Carlota Emaúz)

24 de Julho, 2025



Thursday, June 26, 2025

  

Dói-me o coração

é o peso da pedra  

que lhe ataram

com uma corda grossa

não pode ser desatada